segunda-feira, maio 13, 2024

Um dia sem rir é um dia desperdiçado

Quase todo final de semana lá estava ela na delegacia. Uma senhora de meia idade ia registrar uma ocorrência curiosa: contava que um ser alienígena estava lhe tirando o sono. O extraterrestre jogava pedra sobre seu telhado, chamava-a de feia e outros nomes, e obrigava-a a ter um caso extraconjugal com o vizinho. A escrivã Wânia Cris ouvia com atenção e tentava acalmar a mulher, visivelmente insana. Não satisfeita, após a delegacia, a senhora seguia para a promotoria, onde repetia a história.

“A mulher era perturbada”, diz, completando que acabava tendo que ir até o local já que, sob o argumento desta ameaça alienígena, a senhora jogava pedra no telhado dos vizinhos “para acertar o ET”. O fato cômico, que animava os plantões em Cristalina, no Entorno do Distrito Federal, nem de longe lembra os milhares de livros lidos pela escrivã Wânia Cris. Fã de ficção, nunca tinha visto algo semelhante nas histórias que leu. E já leu muito. Só em sua biblioteca particular são mais de 500 livros. “Sempre estudei em escola pública e, quando saía da aula, ia direto para a biblioteca Cora Coralina, no bairro de Campinas, onde passava a tarde”.

Wânia Cristina Rodrigues de Araújo tem 40 anos, é casada, mãe de três filhos (dez, seis e dois anos) e é escrivã em Goiânia. “Amo minha profissão”, conta. Mas nem sempre foi assim. Filha de policial militar, cresceu com uma certeza: queria ser tudo, menos policial. “Vi tudo o que meu pai passou e não queria”. As coisas começaram a mudar quando, no final dos anos de 1990, a irmã a obrigou a prestar o concurso. “Fiz a inscrição no último dia, no último minuto, com a esperança de não dar certo”. Deu. E apesar da falta de ânimo e interesse, foi uma das 20 primeiras aprovadas.

Mesmo consciente de estar num ambiente pesado (“Ninguém vai a uma delegacia porque está feliz”, diz),Wânia tem um alto astral. “ ‘Um dia sem rir é um dia desperdiçado’ é o lema da minha vida”, conta. “Não podemos deixar estas histórias tristes entrarem na nossa vida e temos que estar bem para atender o outro”.  Ela conta que sempre tenta fazer com que o cidadão deixe a delegacia melhor do que quando chegou. “Tento mostrar que ali não é o fim. Que há saída”.

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